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quinta-feira, 9 de maio de 2013


O Assalto
Carla tinha passado um dia tão corrido que nem saberia dizer de onde ele apareceu.

Seus pensamentos ainda estavam no trabalho e os olhos se mantinham dispersos entre os diversos objetos da rua: carros, calçada, buraco, placas, pessoas... Tudo estava ali mas ao mesmo tempo era como se não estivesse, e ela seguia caminhando em modo automático sem se dar conta necessariamente de cada coisa. Só desceu à Terra quando ele a abordou:
- Com licença...
De imediato ela abandonou seu universo paralelo e tomou consciência do todo. A rua não era completamente escura e ainda havia movimento, principalmente dos carros na avenida, mas ela sabia que era um bairro perigoso, poucos dias atrás dois colegas foram assaltados ali perto. No entanto quem se aproximara não parecia um ladrão, não se vestia mal e a interrompera com um “com licença”. Que tipo de ladrão pediria licença para assaltar?
- A senhora me perdoe, mas infelizmente isto é um assalto. Preciso que me passe sua bolsa e seus pertences de valores. Sei que isso deve ser bem chato, mas não se preocupe, não pretendo fazer mal algum a senhora, apenas preciso do que tiver de valor, pode ser?
Uma borboleta começou a bater asas no seu estômago. Ela franziu o olhar para ver melhor quem estava a sua frente. Seria uma brincadeira? Ela conheceria aquele homem?
- Como?
Ao se ouvir Carla pensou que deveria ter algo melhor para dizer do que “como?”, mas a situação beirava o grotesco. Era um assalto mesmo? Ela não lembrava conhecer aquela pessoa, e ele não parecia estar brincando, mas tampouco tinha um ar ameaçador, também havia o fato de que não havia mostrado qualquer tipo de arma, apenas a abordou e falou com ela, como quem pergunta as horas.
- Pode me passar a bolsa? É importante que seja rápido.-Reforçou o ladrão- Eu sei que deve estar estranhando, acho que não tenho uma atitude que se espera de um ladrão. De fato não gostaria de estar assaltando, mas realmente estou precisando e não tenho uma outra maneira para o momento.
- Você está brincando não? É um assalto mesmo? Você nem está armado!
- Eu tenho uma arma aqui – disse apontando para a mão que ficava no bolso mas sem mostrar qualquer objeto -  Apenas acho que isso não é necessário, como disse, não quero te machucar nem nada, você é uma boa pessoa, apenas teve azar hoje.
- Olha se é uma brincadeira eu não achei graça, e dá licença que estou atrasada – disse e pensou em se afastar, mas foi levemente segura pelo braço enquanto o homem puxava a arma que realmente estava no bolso.
- Não existe mais confiança nas pessoas hoje em dia, não? Ok, está aqui a arma. É boa para você moça? Por favor, eu realmente não quero te machucar mas você vai me entender se acabar me obrigando a isto. Estou tentando fazer da melhor maneira possivel. Porque preciso gritar e bater? Não seria muito pior? Para que dar um tiro na pessoa? Por causa de uma carteira, um celular, algumas bobagens? Isso é assim tão importante a ponto de valer o risco?
Carla congelou com a presença da arma, percebeu que o assunto era realmente sério, e tratou de cooperar para evitar que a “cortezia” do ladrão de repente terminasse.
- Desculpa, eu não quero causar qualquer problema, tome leve minha bolsa.
- Não, capaz! Não quero tudo, só preciso do que for de valor. A não ser que seja uma Louis Vuitton – disse ele com um sorriso de quem sabia o que estava dizendo para nova surpresa da moça
Ela vasculha a bolsa, pega um celular, passa para ele, pega um segundo celular e entrega também, pega um terceiro celular, movendo agora a surpresa para o ladrão
- Três celulares? Desculpe a pergunta, mas porque três?
- É que eu uso este aqui – aponta para um modelo mais simples- apenas para falar com minha mãe, por causa do desconto da operadora. Esse na verdade é da empresa, a gente recebe um para falar com as filiais, e este é o meu de uso normal mesmo.
- Entendi, bem, eu levo o seu e o da empresa também, mas pode ficar com este outro.
A mulher recolhe o celular um tanto perplexa com o procedimento, pega a carteira e passa para o ladrão perguntando
- Posso ficar com meus documentos?
- Claro... Tá louca... Fazer documentos tudo de novo, ninguém merece. Pode ficar com o cartão de crédito também. Vou ficar apenas com o dinheiro. Pode me ver este seu relógio também, por favor?
A moça entrega cerca de 200 reais em dinheiro e o relógio, além dos celulares. Procura por algo mais quando o ladrão a questiona.
- Você precisa que te deixe algum para o onibus?
- Eu tenho cartão do onibus – disse e ao mesmo tempo, percebeu o que estava dizendo- Posso ficar com o cartão do ônibus?
O ladrão pensa por um segundo, decidindo se ficaria ou não com o cartão, enfim assentiu
- Pode sim, de toda forma poderia bloquear ele e não me adiantaria nada. É isso, sei que não te adianta muito mas peço desculpas por ter que te levar essas coisas.
- Não, tudo bem, fazer o quê. Não posso dizer que não fico chateada de me assaltar mas enfim, ao menos você foi gentil. Não entendo porque um cara como você faz isto, podia estar trabalhando, não precisa disto...
- Eu tenho lá meus motivos, infelizmente não temos tempo para uma conversa mais demorada
- Sei, tem que assaltar mais gente não? – Disse ela em um misto de ironia e sindrome de estocolmo
Ele sorriu e olhou para ela por um segundo a mais do que o necessário. Apesar de estar à sombra das luminárias centrais, a luz dos faróis denunciou um rosto triste e um par de olhos esmeraldas que ela não esperava encontrar nele.
- Te cuida guria, tenha uma boa noite.
Disse e saiu em passos apressados deixando-a um tanto sem saber o que fazer. Pouco adiantaria ligar para sua mãe agora, contaria quando chegasse em casa. Tinha ao menos que dar parte do roubo mas não fazia a menor ideia onde haveria uma delegacia perto.
Ainda pensava para que lado deveria seguir quando uma segunda figura saiu das sombras, mas diferente da primeira abordagem, esta não parecia nada gentil
- Perdeu tia, passa a bolsa e fica pianinho, se abrir a boca eu te furo – Disse o ladrão, que aparentava não ter mais que 15 anos com uma faca apontada para ela, enquanto agarrava a bolsa puxando-a fortemente. Seja por reflexo ou por não entender exatamente o que estava acontecendo ela fez exatamente o contrário: se pôs a gritar e se grudou a bolsa. O meliante a agarrou pelos cabelos e a empurrou, mas ela não soltava a bolsa e gritava mais alto ainda.
Foi quando uma segunda voz se sobrepôs ao tumulto
- Solta ela vagabundo, solta ou vou te queimar, cai fora!
Ela ainda estava no chão quando percebeu que quem voltara para a ajudar era ninguém menos que o “primeiro” ladrão. O segundo meliante olhou assustado e percebeu a arma apontada para sí, decidiu então procurar uma vítima mais fácil. Decidiu fugir desviando das pessoas, que se aproximavam por conta dos gritos da moça, antes que fosse tarde para ele.
Em torno dela, um pequeno grupo, que se aproximou, tratava de a ajudar a levantar perguntando se estava bem. Ela levantou e olhou em volta buscando encontrar a pessoa que em pouco mais de 5 minutos havia participado de sua vida de maneiras tão opostas. No entanto, seja por conta do receio do que ela pudesse dizer, seja pela presença das outras pessoas, seu pseudo-salvador, antes algoz, se fora.
Dois meses depois ainda era possível ver Carla descendo pela avenida fatídica. Dizem que ela repete este caminho todas as noites, mesmo quando não tem necessidade, mesmo com o risco de assalto naquela área. Cuidadosa olha sempre quem se aproxima, dizem que olha até demais, parece até que está a procura de alguém.
Mas isso é apenas o que dizem...

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